30 de ago. de 2010

À prova de morte, de Tarantino

















Nenhum cineasta digeriu o pop para o cinema tão bem quanto Quentin Tarantino. Queiramos ou não, somos, ao sair de casa e colocar o pé na rua, abarcados por referências “genéticas” de Duchamp e Andy Wahol. Basta olhar as placas publicitárias, os rumos da arte contemporânea, a moda. Em À prova de morte, Tarantino faz uma conexão dos anos 70 com os dias atuais. A experiência e as referências que o diretor acumulou quando era funcionário de uma locadora nos Estados Unidos estão retratadas no filme. Ao assisti-lo, o espectador tem a sensação de estar vendo um filme de Sessão da Tarde, filmado rusticamente em VHS, com cortes abruptos.  A trama se passa nas estradas americanas, nos tradicionais bares cujas músicas são executadas por vitrolas com fichas (jukebox).


Basicamente, o filme é dividido em duas partes. São duas turmas de mulheres, dispostas a curtir a vida nas estradas americanas, dançando, namorando, consumindo drogas.  O elo entre as duas turmas (e as duas “partes” do filme) é um excêntrico dublê (Kurt Russell, em excelente atuação) de filmes B americanos.  Ele adora velocidade e amedronta as meninas com seu carro turbinado. Seu maior prazer é perseguir as meninas de carro e provocar violentas batidas, com o intuito de matá-las.

Em alguns momentos o filme é puro suspense. Mas o melhor são as perseguições em alta velocidade – explicitamente influenciadas por filmes do gênero dos anos 70, como o Corrida contra o destino e a série Dirty Harry, de Clint Eastwood.  Além disso, o filme tem cenas trash muito bem- humoradas.
 
À prova de morte (2007) é anterior ao Bastardos Inglórios (2009); só agora chegou ao Brasil. Tarantino fez um filme despretensioso, procurando focar mais nas referências cinematográficas da sua adolescência. O longa vai na linha do Pulp fiction, do Assassinos por natureza , Cães de aluguel e  Kill Bill. A grande vantagem de Tarantino é conseguir entreter fazendo um cinema criativo, com referências a vários estilos e épocas do cinema.  O diretor vem, ao longo dos anos, imprimindo um estilo próprio na história do cinema.  Com o perdão do trocadilho, À prova de morte é o mais Tarantino dos filmes de Tarantino.  

25 de ago. de 2010

Eleições Lúdicas











Em tempos de eleição, estas esquinas apostam no prazer estético contra a empulhação e contra o tédio político. Aliás, como se nota por estas páginas, onde há arte não há tédio. Acredito piamente no aperfeiçoamento humano pela estética, que tem forte poder de influência positiva na ética (particular), que, por consequência, afeta também positivamente a política (coletivo). Há de se diminuir a importância política – já amordaçada pela economia globalizada, pelas grandes corporações – e criar um ambiente propício ao prazer estético. Nada como trocar os enfadonhos debates políticos por um bom Bergman, Kubrick, Win Wenders, Woody Allen. Nada como trocar o falatório político nas rádios por Mozart, Bach, Miles Davis, Coltrane. Trocar a perda de tempo com o noticiário político nos jornais impressos por qualquer estrofe de Drummond. Meu voto para presidente nas próximas eleições será em Machado de Assis, por julgar o mais capacitado para entender o homem urbano e ironizar a mediocridade. Para governador, recomendo Guimarães Rosa – tenho esse privilégio por ser mineiro -, um profundo conhecedor da alma humana e do sertão brasileiro, onde pisam os pés descalços dos excluídos. Acredito piamente também que os dois serão partidários do voto facultativo. Somente assim, abrirei uma fresta mínima no meu prazer estético para dar uma espiadela nessa tal de política. 

12 de ago. de 2010

Twitter-contos














Com essa onde de twittar, surgiu um concurso de contos com um limite de 140 caracteres. Eis uma brincadeira com a ideia:

[1]
No carro ouço toda a Nona de Beethoven, mais 10 sonatas de Bach, mais as 4 Estações de Vivaldi. Finalmente, chego no trabalho.

[2]
5 TVs em casa na novela das 8: sala, copa e 3 quartos. Todos desligam e vão pra janela. No prédio em frente, uma TV ligada: novela das 8.

[3]
Ouço jazz em disco de vinil. A música pula na vitrola. Não vejo arranhão no disco, mas um cadáver de uma formiga, atropelada pela agulha.

3 de ago. de 2010

Tudo pode dar certo - ou não.















Já imaginaram um homem, do alto dos seus 70 anos, financeiramente estável, levantar às quatro horas da madrugada para romper com a esposa? E se esse mesmo homem, quebrando todas as convenções sociais, sacudir a vida e alugar um pequeno apartamento no subúrbio de Nova York para viver sozinho com suas manias, ouvindo música clássica? Este homem se chama Bóris e é um professor de física aposentado, mas reconhecido mundialmente. Já tentou de tudo para fugir da monotonia, até suicídio (ele manca devido a isto). Vive andando pelas ruas e conversando com amigos nos cafés da cidade. Neurótico e procurando trazer novos desafios à sua nova vida, dá aulas de xadrez para crianças nas praças. Seu método de ensino: bofetadas na cabeça. Não perdoa nenhum lance errado dos garotos. Chama-os de imbecis sem um mínimo de pudor. Esse impaciente Bóris é a estrela de Tudo pode dar certo (Whatever Works, EUA,2009), filme de Woody Allen.

O velho Bóris, ao voltar para o apartamento numa madrugada, encontra uma garota de 21 anos mendigando em sua porta. Ela mudará sua vida, pois se tornará sua esposa e entrará no “mundo Boris”, repleto de referências culturais. Num belo dia, a mãe da garota, após se separar do marido, chega ao apartamento do casal. Dias depois, chega também o pai da garota, tentando uma reconciliação com a mãe. Mas isso é só o começo. Uma reviravolta na vida de cada um estará por vir. E o velho Bóris, que planejava ficar sozinho, está às voltas com esposa, sogra e sogro no encalço. (Isso é Woody Allen)



A mãe da garota conhece um filósofo, que mostra as fotos caseiras dela a um dono de uma galeria de arte. Eles veem um valor estético nas fotos e a incentivam a investir no mercado de artes. Ela acaba se tornando uma artista plástica de sucesso. O três passam a morar juntos e a dormir na mesma cama, vivendo uma relação não-convencional. Já o pai da garota, ao ser descartado pela agora contemporânea e famosa esposa, conhece um homossexual em um pub. Os dois acabam indo morar juntos. (Isso é Woody Allen).



A vida de Bóris e sua esposa adolescente também dá uma guinada. Seguindo a “ordem natural das coisas”, ela conhece um playboy, apaixona-se e casa com ele. Bóris vê isso tudo passar e, experiente em vida que é, encara tudo como uma comédia humana.  Ele volta a ficar sozinho. Mas no final do filme, o diretor prepara uma surpresa ao espectador.



Tudo pode dar certo é recheado de referências e críticas às sociedades impregnadas de religião e convenções. Sabemos que Woody Allen é mestre em retratar crises conjugais (Manhattan, Maridos e Esposas, Crimes e Pecados). A atitude de Bóris, de largar um casamento estável – mas monótono -, é uma crítica aos que se contentam com uma vida segundo os padrões estabelecidos. Demonstra também que uma vida solitária e feliz é perfeitamente possível. Antes isso era um tabu.



A sensação que se tem ao ver o filme é que “tudo [em relacionamentos] pode dar certo”: um casal convencional, uma amor a três, um amor jovem ou uma relação entre iguais. Mas se isso não ocorrer, que se busque a felicidade – mesmo que sozinho. Além do aspecto conjugal, o diretor também aborda a facilidade com que se produz um “mito” no mundo atual, valendo-se da mídia e do marketing. A velha mãe da garota se torna uma celebridade fashion em poucos dias. Qualquer semelhança com personagens vazias fabricadas por nossas TVs não é mera coincidência. Woody Allen quer, sim, zombar dessa espetacularização promovida pelo mainstream. Bóris rejeita tudo isso, critica a padronização estética nivelada por baixo. Bóris não bate em crianças; bate na mediocridade. A criança imbecil é uma metáfora da sociedade estéril.
  
Woody Allen conseguiu fazer um filme que não cabe em si mesmo. Temos de assisti-lo várias vezes, tamanha a riqueza de detalhes. Cada diálogo é uma pérola, uma referência, um chiste. Caetano Veloso, em entrevista recente, disse que Woody Allen é um cineasta pequeno, limitado e repetitivo. Parece que o diretor ouviu a declaração do baiano lá no norte. Será que o cantor vai sustentar a sua tese depois de Tudo pode dar certo?