22 de abr. de 2009

Livros no Google


























Robert Darnton é professor da Universidade de Harvard e atualmente diretor da biblioteca da instituição, a quinta maior do mundo, com 15 milhões de volumes. É também autor de Edição e Sedição (Companhia das Letras), dentre outros livros. O professor levanta uma questão fundamental, de caráter urgente, em um ensaio na revista Serrote (vol.1, Instituto Moreira Salles): o futuro dos livros e a sua relação com o site de buscas Google.


O ensaio faz uma analogia entre o tempo em que vivemos (grande aparato tecnológico disponível) e o ideal iluminista. Para o autor, “o século 18 [Iluminismo] imaginava a República das Letras como um reino sem polícia, sem fronteiras e sem desigualdades, exceto a determinada pelo talento”. Segundo Darnton, com o processo de digitalização dos livros, teríamos uma concretização do Iluminismo que não chegou a ocorrer. “A democratização do conhecimento agora parece estar na ponta dos dedos. Podemos dar vida ao ideal do Iluminismo na realidade”, conclui.


Mas a grave questão levantada, segundo o autor, está justamente nesse processo de digitalização, envolvendo uma empresa americana conhecida como Book Rights Registry (representante dos detentores de copyright) e o Google. Está sendo amarrado um acordo suspeito e obscuro entre as duas empresas para a digitalização de várias obras – em sua maioria científicas, que estão fora de catálogo. O acordo poderá resultar na maior biblioteca do mundo (ainda que virtual), considerando-se os livros em domínio público (um milhão) que o Google tem atualmente em seu catálogo - mais os que continuará digitalizando. O site venderia, assim, aos interessados na consulta de seu acervo, uma licença de consumo, e se encarregaria (honestamente!?) de repassar os devidos direitos autorais às editoras e autores.


Dentro dessa obscuridade do acordo levantada por Darnton, ainda há uma cláusula que rege que “os leitores não poderão imprimir nenhum texto protegido por copyright sem pagar uma taxa aos detentores dos direitos(...)”. E há uma ainda pior, com nuances de monopólio: as editoras ou os autores que quiserem quebrar o acordo, não poderão digitalizar novamente suas obras em outro site; terão de buscar este direito na justiça. Detalhe: atualmente só o Google tem a riqueza para digitalizar em escala.


Darnton termina o ensaio levantando uma questão: “o que acontecerá se o Google [que é uma empresa] privilegiar a lucratividade ao livre acesso?”. E se o Google cobrar acima do preço justo? E eu completo com mais um ponto: e se o site resolver boicotar ou ideologizar o acervo?


Gostaria de extrapolar as ideias colocadas no ensaio. É inegável que temos, em se tratando de Ética/Política, um embate entre o setor privado (sempre voraz) e o público (sempre tentando conter essa voracidade em defesa do bem-estar coletivo). Só que no caso há uma supremacia do privado (interesses do gigante Google, das editoras e dos autores) em relação ao público (as bibliotecas públicas e algum setor jurídico regulador, certamente ainda imaturo para tratar desta recente questão). Está-se delineando um cenário de monopólio, por enquanto restrito aos Estados Unidos, mas que pode se alastrar pelo resto do mundo.


Monopólio tem de ser tratado com esmero por instituições jurídicas especiais não só americanas, mas, se possível, por organismos internacionais. Sabemos bem que a velocidade do desenvolvimento tecnológico é infinitamente superior à sua regulação por instituições jurídicas. Um (possível) monopólio do Google certamente atingirá outros países em curtíssimo espaço de tempo. Se os demais governos ignorarem a discussão e não se manifestarem, poderá ser tarde demais. Tem de haver urgentemente uma intervenção internacional nessa discussão.


Mas há um problema anterior a toda essa polêmica. Mais do que digitalizar livros é importante colocarmos na pauta do debate a insuficiente democratização virtual e, por conseqüência, a restrição da disseminação cultural. Toda discussão acerca da informatização tecnológica – que demanda custos razoáveis com equipamentos modernos e ágeis, provedores de acesso, etc. – inevitavelmente nos remete à elitização da informação. Nem nos países ricos há acesso à informação virtual planificada, para todos – quiçá no Brasil.


Qual seria a relação entre um pesquisador de universidade federal brasileira e a Big Biblioteca Google? Pesquisadores bolivianos, por exemplo, teriam condições materiais de acessar o acervo do site? Seria importante incluir, em qualquer negociação com megaempresas virtuais, contrapartidas sociais, buscando reduzir a desigualdade econômico-virtual de países periféricos, de universidades deficitárias, bibliotecas defasadas ou de pesquisadores carentes. Todo acordo de digitalização de acervos poderia, por exemplo, gerar a impressão e doação de livros para bibliotecas carentes, em centros estratégicos.


Faz-se necessário, portanto, uma mobilização internacional para acompanhar os movimentos comerciais do Google, pois já há setores tecnicamente monopolizados pelo site, que foram crescendo sem nossa percepção. Haja vista o rol de serviços prestados pelo site (Google Earth, Google Maps, Google Images, etc.) que usamos frequentemente, sem nos darmos conta de que a megaempresa está por trás da publicidade atrelada a eles.

19 de abr. de 2009

Jackie Paris



Jackie Paris foi um cantor de jazz americano – morou em Nova York -, cujo estilo se aproximava de um misto entre Nina Simone e Chet Backer. Foi eleito o melhor cantor de 1953 pela revista “Down Beat” e tinha a preferência de ninguém menos do que Ella Fitazgerald, Nat King Cole, Sarah Vaughan, Charlie Parker, Lionel Hampton, Charles Mingus, Thelonious Monk. Lançou poucos discos, que hoje são raridades nos sebos e valem uma fortuna em CD. Como ocorre com vários artistas, Jackie Paris era uma pessoa de difícil relacionamento, devido ao seu ego nada modesto. Jackie teve seu auge nos anos 50, quando lançou quatro álbuns antológicos.


No hemisfério sul, no Rio de Janeiro, Cartola distribuía suas belas músicas e tentava se virar para sobreviver. Depois de ser até dono de bar, caiu em decadência e foi encontrado, por acaso, lavando carros em uma das ruas da cidade. Um iluminado executivo de gravadora, vendo-o naquela situação, fez um contrato com Cartola para produzir quatro álbuns e registrar sua obra. Sorte!


A mídia costuma ser ingrata com alguns artistas, empobrecendo o patrimônio cultural. Culpa também das gravadoras, mais preocupadas com o marketing de massas do que com a música de qualidade. Assim como Cartola, que teve de se arrumar para conseguir grana, Jackie Paris chegou a ser ascensorista em um prédio nos anos 60, em Nova York. Por pouco a humanidade deixa cair no esquecimento dois gênios da música.


De mito a ascensorista, Jackie Paris foi inexplicavelmente recusado pelas gravadoras, que certamente preferiram afagar algum popstar de sucesso momentâneo. O cantor teve de gravar um CD através de um selo japonês. Jackie foi redescoberto por Raymond De Felitta, um músico de jazz e diretor de cinema, que se interessou em pesquisar a vida deste mito do jazz, quando ouviu sua voz rouca em um programa de rádio. O curioso é que o cantor foi considerado morto no ano de 1977, em um verbete de algum dicionário de música. O diretor ficou perplexo quando viu uma chamada para um espetáculo (concorridíssimo!!) de Jackie Paris no Standard Jazz (NY), em 2004.


Raymond De Felitta procurou Jackie Paris para realizar um emocionante documentário, à Buena Vista Social Club, no qual o cantor disseca sua difícil carreira, seus três casamentos e um filho perdido no mundo. O nome do documentário é Tis Autumn: The Search for Jackie Paris (EUA, 2006). Há no filme algumas imagens de Jackie Paris cantando no Standard em 2003, já doente, com sua voz cambaleante, mas com uma delicadeza impressionante.
Jackie morreu em 2004. Assisti à essa pérola no Telecine Cult e tive a sorte de conseguir gravar uma cópia. Não sei se existe o material em DVD. Recomendo tudo sobre Jackie Paris!