27 de out. de 2009

Que mãos o conduzem?

E do alto dos seus 80 anos, postou-se diante do espelho sem se importar com as rugas – inerentes a todo ser. Assustou-se com a sensação inescapável – quase surreal – de que não se enxergava mais por completo. Pela primeira vez na vida se via atado – não no seu próprio corpo, carnal, mas atado em sua imagem refletida. Viu, enfim, quantas mãos o agarravam furiosamente. Dezenas, centenas de mãos! Tantas mãos o impediam de ver até o que restara de seu próprio corpo – o que sobrou do que ele realmente queria ser. Mãos que o dispersaram, mostrando-lhe arbustos comuns sem que ele percebesse a frutificação e o conseqüente apodrecer das cerejas bem ao seu alcance. Mãos que o conduziram por caminhos pisados e repisados por todos. As mesmas mãos que por muitas vezes apontaram-lhe o indicador de forma acusadora, deixando-o só no quarto vazio da mediocridade. Mãos que lhe mostraram o que ele não queria ver. E no túnel escuro que se estende atrás de sua patética imagem no espelho, ele tenta recuperar objetos, sorrisos, arrepios e amores cedidos de forma gratuita. E treme ao perceber que a procura pelos cacos dos seus desejos é vã, tanto na infinidade daquele túnel míope quanto por entre as frestas de suas rugas.

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